A coragem de Carolina Dieckmann em encarar suas dores mais profundas ganha vida nas telas com o filme (Des)controle. Ela não faz apenas mais um papel dramático; a atriz investiga as próprias cicatrizes ao dar rosto e voz à Kátia Klein, uma autora de livros infantis famosa que se vê afundada no álcool e em bloqueios criativos quase sufocantes. O que diferencia esse trabalho de tantos outros é que Carolina escolheu atravessar o tema não só como intérprete, mas também como filha de uma mulher que lutou — e perdeu — para o alcoolismo.
Na trama dirigida por Iafa Britz, o reflexo das percepções sobre saúde mental ganhou espaço justamente no contexto da pandemia. Esse período trouxe à tona questões veladas, como ansiedade, luto e depressão. Foi nesse ambiente de inquietação que Carolina mergulhou de cabeça no universo de quem perde o controle da própria narrativa. Ela encarou o desafio de emagrecer oito quilos para se aproximar do estado físico e emocional de sua personagem, trazendo uma vulnerabilidade palpável em cada cena rodada pelos bares e espaços noturnos do Rio de Janeiro.
Não faltam histórias no cinema sobre dependência, mas Carolina apostou na humanização como chave para retratar Kátia. O olhar que ela lança sobre a personagem carrega o peso do que viu e sentiu ao lado da mãe, ecoando em gestos pequenos — como a tentativa frustrada de retomar a vida social após uma separação — e nos momentos de maior desamparo, quando o caos interno escapa sem filtro diante do público. Kátia não é heroína nem vilã; ela simplesmente é. Essa decisão de mostrar cada fissura e recaída torna o drama algo próximo, possível e dolorosamente real para quem assiste.
No roteiro, a crise criativa funciona tanto como símbolo quanto como ferida aberta. Criadora de histórias para crianças, Kátia perde não só a capacidade de escrever, mas também a conexão com sua própria essência após perdas pessoais e traumas nunca superados. O papel exige uma entrega rara, marca de uma atriz disposta a ir além dos clichês do drama. Segundo Carolina, a sensação de esgotamento e vazio não foi construída somente a partir de roteiro, mas do convívio com experiências verdadeiras de pessoas que enfrentam vícios, incluindo sua mãe.
A força desse trabalho está, também, no modo como o cinema brasileiro aparece aqui: mais sensível, olhando para as fragilidades humanas sem medo da exposição. A parceria com Britz, que dirigiu o projeto com clara preocupação em não romantizar o sofrimento, deixa espaço para que temas antes velados ganhem luz e olhar crítico, principalmente para quem ainda imagina que o alcoolismo é apenas uma falha moral.
O resultado em (Des)controle é uma narrativa que alia o talento dramático de Carolina Dieckmann a uma discussão urgente sobre a saúde mental, os limites da arte e o custo silencioso do vício para quem ama ou convive com alguém nessa jornada. A proposta não é solucionar ou educar, mas permitir que a dor, enfim, seja compartilhada — e nesse gesto, talvez, um passo para a reinvenção de todos os envolvidos.